Andante,Andante...
"Nenhum momento de felicidade terá sentido se não for compartilhado"
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CONFIDÊNCIAS   DE  UM  MENINO

 
Conheci  um menino que  dizia  sentir  falta  de  irmãos.O  único  que  teve falecera  antes  de  completar  um  ano de  idade.Isso  lhe  fazia  triste,meio  sozinho,não  totalmente porque  na  sua  rua podia  contar  com  muitos  amigos,porém,algumas  vezes,dizia  êle,batia  uma  carência e  o  desejo de  ter  uma  familia  maior.
       A  casa  onde  morava,embora  modesta,era  ampla e  aconchegante.Havia  na  sala, um  grande  espelho preso  à  parede com  uma  ligeira  inclinação o  que  permitia  refletir uma  parte  dos  móveis  e o  assoalho  de  madeira.O  trabalho de  seu  pai exigia que  êle  se  ausentasse durante  a  semana ,só retornando aos  sábados ,dia  em  que  era  aguardado  com  ansiedade.Sua  mãe  costumava esperá-lo com  deliciosas "cucas" assadas em  fornalha  de  lenha,recheadas com  fatias  de  goiabada e  cobertas  com  uma  farofa  doce polvilhada  de  canela.Êle,o  pai, adorava  isso...
       Apesar  de  ser apenas  tres  pessoas vivendo  naquela  casa,reinava por ali um  clima  de constante animação.A  mãe , muito  querida pela  vizinhança,mostrava-se sempre  de  bem  com  a  vida e  mantinha  um  perene sorriso , aberto  à quem  dela  se  aproximasse.Quando seu  pai  chegava,lembra  o  menino,a  alegria  então  completava-se.A  vitrola recebia um  daquêles  discos  de  vinil.A  música, escolhida  a  dedo por  sua  mãe,era a  valsa "Branca" de  Zéquinha  de  Abreu .Uma  insinuosa e  apaixonada  provocação já  que  seu  pai  adorava  aquela  música.O  reencontro  no  portão era  festivo! Juntos,os  tres,atravessavam  o  jardim entrecortado por  uma  estreita  calçadinha  de  tijolos.
       Ao  entrarem em  casa,lembra  o  menino,ouvia  seu  pai   dizer:
_"Vamos,lá,que  essa é  nossa!" referindo-se  à  música.
       Então,abraçados,o  casal  deslizava ao  som  daquela  melodia.Êle,que  à  tudo  assistia,ria  feliz  achando  engraçado.A  mãe  cantarolava  baixinho,o  pai  assobiava acompanhando a  canção.De quando  em  quando,cheios  de  pôse,miravam-se  no  espelho imaginando-se  num  vistoso salão  de  baile.O  vira-latas que  de  nada  entendia,no  afã  de  defender  a  sua  dona,irritado agarrava-se  à  barra das calças  do  dançarino e a  cena  provocava sonoras gargalhadas.
       À tardinha,continua  o  menino,chegavam  para  jogar  cartas os  amigos  de  seu  pai;dentre êles,um senhor chamado Adriano , que  cantava  muito  bem, e  costumeiramente  trazia  um violão.A  varanda enchia-se  de  música...E  todos acompanhavam o refrão de   sua canção  predileta:"E  a  fonte  a  cantar ,Chuá!...Chuá!...E a  água  a  correr,Chuê!...Chuê!..."
       O  menino  que  conheci um  dia,acabei  hoje  reencontrando-o,travestido  num  sério e  compromissado  adulto que  confidenciou-me não  mais  existir  aquele lugar,nem  mais   as  pessoas que o  viram  quando  em  criança,embora persistam em  sua  memória,em  suas  lembranças.
       E assim,disse-me  êle:nos  momentos  em  que a  dupla, solidão e  tristeza ,  unem -se  na  tentativa de  fragilizá-lo é  para  lá  que    corre.Então,aquela  casa  recheada de  antigos  afetos,abre-lhe  janelas  e  portas e o  acolhe.O  espelho  lhe  devolve  ,em  reflexos , velhas  alegrias  muito  bem  guardadas e,entre  a  imagem  de móveis  desgastados  e  o  assoalho de  tábuas largas,o silêncio  vai  quebrando-se  em  miudinho.Um mágico  devaneio que  vai  combinando aos  poucos os  latidos  de um  vira  latas e ecos  distantes  de  uma  valsa  num  vinil.Em  meio  à  tudo  isso,juntam-se  vozes  desafinadas e  alegres na  varanda  do  tempo  a  cantarolar...Chuá!...Chuá!...Chuê!...Chuê!...
 

IRATIENSE THUTO TEIXEIRA
Enviado por IRATIENSE THUTO TEIXEIRA em 10/06/2012
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