Andante,Andante...
"Nenhum momento de felicidade terá sentido se não for compartilhado"
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UM  RETRATO  OPACO


Paus a pique perfilavam-se ao redor do casebre .Alguns espaços abertos,aqui e ali,banguelavam a rústica proteção do terreno.Tão somente a inocência de um bem te vi tingia de amarelo aquela paisagem embrutecida.
Uma janelinha aberta para os mistérios da mata e um pouco abaixo da soleira,ao lado de fora,uma prateleira. Duas panelas amassadas,alguns talheres e louça, sujos,mergulhados na bacia.Como num palco o balé das môscas promovia,no entorno, o espetáculo multicor das transparências sob o sol do meio dia.
Dois cachorros magros enovelados nos proprios rabos dormiam suas fomes no terreiro;de quando em quando,um dêles lançava um olhar desesperançoso e novamente deitava a cabeça sôbre seu corpo cadavérico.O outro,sequer tomava conhecimento de quaisquer presenças;continuava ali,ao redor da escada,fragilizado, inerte...A fidelidade canina reforçando a cumplicidade de ambos naquele ambiente de aparência miserável.
Na porta, desconfiada ,a garotinha remelenta de olhos castanhos graudos, à tudo observava...Um vestido azul , de bolinhas,vestia-lhe o corpo franzino.Os pés descalços pisavam o assoalho de tábuas largas.Encabulada e nervosa , movia-se como a ensaiar os passos duma estranha dança.Por um instante permaneci ali,estático,olhando para aquela carinha iocente perdida na solidão da mata.
Entabula-se um diálogo:
_Oi! Garotinha,como vai?
Num gesto envergonhado,o braçinho esquerdo dobra-se encobrindo-lhe os olhos. O dedo indicador direito metido na boca, o "passo de dança", agora agitado e nervoso,travam-lhe a resposta.Apanho no bolso, uma bala de menta e lhe ofereço.Receosa, examina longamente o agradinho.Observa-o com desconfiança,pondera,pensa... À seguir, como num bote de serpente, apanha a oferta prendendo-a entre as mãozinhas sujas.
A face reveste-se de nova expressão.Uma chama de ternura arde agora nos olhinhos mansos.Um sorriso tímido se esboça, então, ela traveste-se em anjo.
Vinda por trás do casebre,surge a figura da mãe.Esguia,canelas finas,tem o cabelo em desalinho.Trás na boca um palheiro a defumar-lhe por inteira. Um galho de arruda preso na orelha direita, "pra tirar o ar", (recomendação da vizinha benzedeira contra as dores do  corpo).É cordial , amável...
Abre-me um sorriso desdentado,cumprimenta-me.A aspereza dos calos roçam-me a palma da mão.Dá-me a informação que  peço e convida-me a entrar.Agradeço-lhe  e tomo meu rumo.No meio do trajeto,um travo na garganta arrebenta-se numa lágrima incontida.
Pelo retrovisor, avisto-lhes pela ultima vez .A garotinha de azul , acena-me.A mãe afaga-lhe os cabelos encaracolados.O céu é tingido de um anil intenso. Curucacas rasgam o espaço na leveza das asas e o ronco do motor impede-me de ouvi-las.Um cheiro de mato invade o interior do  carro.A  estrada poeirenta à tudo transforma numa  espécie de retrato opaco.
Precisava  tão somente de uma informação.Deparei com dois anjos no ermo do caminho.



 
IRATIENSE THUTO TEIXEIRA
Enviado por IRATIENSE THUTO TEIXEIRA em 17/06/2012
Alterado em 19/06/2012
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