Andante,Andante...
"Nenhum momento de felicidade terá sentido se não for compartilhado"
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OS CLIENTES DO POTINHO

        Pequenos  gestos, atitudes corriqueiras, tomadas   não intencionalmente podem,muitas  vezes,  repercutir  por  uma  vida  inteira.
        Era ela,  funcionária de  uma  escola  pública.Durante  longos  anos  desempenhou  a  função  de  merendeira e, graças  ao  dom  que  Deus  lhe  reservara, com frequência  a direção lhe  escalava para  cuidar  de  uma  e  outra  sala nos  momentos  em  que  as  professôras  por  algum  motivo  precisavam  ausentar-se.Valendo-se   do  aparato que  a  vida  lhe  concedera,contava  historias que  eram  ouvidas  atentamente , em  silêncio  absoluto,despertando  a  curiosidade  e  até  uma  certa  ciumeira  por  parte  de  algumas professôras que  não  admitiam ou  aceitavam o  fato  de  alguém  tão  simples exercer  um  domínio  de  classe  capaz  de  prender  a  atenção da  criançada  que viajava  em  suas  narrativas.O  outro lado,o  da  merendeira,foi  inovador  para  a  sua  época.A  merenda  fornecida  pelo  governo jamais  viera  em  quantidade suficiente  para  atender  à  demanda;aí então,aquela  senhora,às  escondidas  da  direção  da  escola pôs  em  prática seu  plano  para melhorar as  condições alimentares  da  molecada.Pediu  à  cada  um  dos  alunos,dentro  de  suas  possibilidades,uma  "colaboraçãozinha" na  melhoria da  famosa sopa  que  era  servida na  hora  do  recreio.Acatando  a  idéia,a  partir  daí os  dois  filhos  do  açougueiro passaram  a  trazer  carne;os  polaquinhos,como  carinhosamente ela os  tratava,filhos  de  agricultores,traziam batata,cenoura e  outros  legumes;o  filho  do  bodegueiro: farinha,macarrão...Enfim,cada  um  ao seu  modo e  dentro  das  condições  que  tinha,ajudava  sempre  com  alguma  coisa.Certa  ocasião,quando  cheguei  para  dar-lhe  um  recado,surpreendi  aquela  senhora  agradecendo  a  uma  menina que  em  sua  humildade havia  lhe  entregado um  pequeno  embrulho contendo  tão  somente  um  tomate;e  acabava de  receber  um  carinhoso   agradecimento digno  de ser  dirigido à  quem  tivesse  trazido  uma  caixa repleta  de  tomates.
    As  coisas  evoluiram,o  entusiasmo e  a  colaboração  de  todos resultou  numa  sopa  mais  substanciosa,variada e  que  acabava sempre  sobrando.Novamente  a  merendeira,deixou  falar seu  coração.Conhecedora  que  era das  carências  de  sua  comunidade,passou  a  distribuir  o  excedente  entre as  crianças  que  chegavam  ao  portão  da  escola .Recomendando à  cada  um  que  trouxesse  o  seu  "potinho" .Imaginando que seus  propósitos eram  secretos,passava  por  entre  os  gradis os  potinhos  com  a  sopa  arrancando  sorrisos  de  agradecimento do  lado  de  fora  do  muro.Nem  imaginava  que  a  diretora,com  seus  olhos  azuis  profundos,a  observava  por  trás  das  cortinas,fazendo  ouvidos  moucos à " irregularidade "e  avalisando  solidariamente aquêle  gesto.
    O  relógio  do  tempo  percorreu  quase  cinquenta  anos e  atrás  do  balcão de  um  estabelecimento  comercial  que  administrei por  certo  período,inúmeras  vezes recebi  a  visita  de pessoas,que  foram  no  passado "atenciosos ouvintes  de  historinhas" e  outros;"os  clientes do  potinho" que  relatavam  de  olhos  marejados as  cenas de  que  foram  protogonistas.Para  muitos  dêles,aquêle  potinho,foi  por muitas vezes a  única  refeição  do  dia.
    No  túmulo daquela  senhora  há sempre  uma  flor,ainda  que  ressequida,presa  à  massaneta  da  porta;resíduos  de  velas,frases  de  carinho...Deixados,certamente,por  êstes  adultos de  hoje que  em  crianças foram  acarinhados,saciados em  sua  fome,com  aquela  atitude  despretenciosa de  quem  sequer imaginava a  dimensão  que  tão  singelos  gestos  poderiam  atingir.
    Ouvindo  agora uma  canção  do  padre  Zezinho,lembrei -me daquela  criatura à  quem  a  vida  reservou  bondade,carinho,amizade...Talentos que na  sua  simplicidade ela tão  bem   soube  compartilhar   com  todos.
    Uma  frase  da  música  diz:"Saibamos  deixar  um  no  outro  uma  saudade  que  faz  bem!"...E  isso,minha  mãe!...Sou  testemunha  de  que  você  realmente  deixou.
    

      Neste  dia  dedicado às  mães,deixo-lhes  um  pouco  da  história  de  dona  Hilda,que  foi  mãe,amiga,humana...E  como tal,falível,com  defeitos também.
      Tinha  um  grande  coração,o  que  me  parece inerente  à  grande  maioria  das mulheres que  já  nascem  com  o  instinto  maternal e  assim,com  a  vocação de  amparar,proteger...
       Um  singelo  vaso  de  margaridas  brancas ,deixadas  em  seu  túmulo,simbolisou  a  minha  lembrança  nêste  dia.
       A  singeleza  dêste  meu  relato haverá  de  simbolisar  a minha  homenagem à  tôdas  as  mães do recanto que  valem-se  dos  corações  para  tecer  a  poesia  que  encanta  o  mundo.E  estende-se  à  tôdas as  mães  em  suas  lutas,alegrias  ou  sofrimentos  em  busca  de  um planeta mais  humano.

       FELIZ  DIA  DAS  MÃES!!!
    
IRATIENSE THUTO TEIXEIRA
Enviado por IRATIENSE THUTO TEIXEIRA em 31/07/2009
Alterado em 08/05/2011
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