Andante,Andante...
"Nenhum momento de felicidade terá sentido se não for compartilhado"
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P E S C A R I A S

     Tôdas  as  tardes,o pequeno  riacho  que  passava  ao  fundo  do  nosso  quintal ficava  repleto  de  pescadores.Reunia-se  tôda  a  piazada  da  rua do  Fomento e  alguns  adultos "profissionais  na  arte" que  a  nós  se  integravam.
      As  águas muito  limpas  do  riacho a  as  suas  margens  em  campo  aberto propiciavam  bons  momentos  de  lazer e,porque  não,algumas  disputas  e  saídas  no  tapa,no  enlevo  das  tardes do  lugarejo.
     A  liderança  da piazada  ficava  por  conta  de  Miro.Um  pré  adolescente,gente  boa,calmo e  bom  de  pescaria.Onde  o  Miro  "armava" o  anzol  era paixe  na  certa.Bastava  a  rolha  dar  o  sinal  da "beliscada" e  um  bando  de  invejosos (mo  qual  eu  estava  sempre  incluso) saía  correndo  a  colocar  o  anzol  bem proximo  ao  dêle  na  tentativa  de  roubar-lhe o  paixe.Mas,o  cara  era  mesmo  um  "sortudo"  e  o  peixe  optava  sempre  pelo seu anzol.
     Rio  abaixo,chegávamos  a  um  trecho que  denominávamos  como "Ródão".Êste  nome  foi  dado  em  função  da  existência naquêle local  da  caliça  de  uma  antiga  fábrica,desativada  há muitos  anos,da  qual  sobrara partes  da  estrutura de uma  gigantesca  roda d´agua.
     Proximo  dali,um  pequeno  casebre desafiava  a  solidão  das  campinas.Nêle  morava  "Otacília".Negra,alta  e gorducha,carregava  um  melodioso  sotaque  nordestino em  sua  fala.Astuta  e sabendo  tirar  proveito das situações,percebendo  a  quantidade  de  peixes  que  pescávamos,estabeleceu  uma  espécie  de  pedágio.Ainda  acho  que  o  correto  seria "Pescágio",se  o  termo  realmente existisse.Assim,por  seu decreto,a  cada  tres  peixes  fisgados,um  seria  dela.E,sempre  o  maior dêles.
     Bons  cidadãos,fiéis  cumpridores das  leis,nós,os  ingênuos dos  anos  59/60 obedecíamos  religiosamente os  termos  estabelecidos pela "autoridade" e  com  isso  Otacília  deve  ter  dado  boas  risadas ao  comer peixes  às  nossas  custas.
     Uma  lembrança  que  agora  me  ocorre é  do  senhor "Bugay".Êste,o  seu sobrenome,não  me recordo  de  como  êle  se  chamava.Nosso  vizinho,o  velho  colono  polonês,juntava-se  tôdas  as tardes ao  bando  de  pescadores.Quietinho,sentava-se à  beira  do  riacho,acendia um  palheiro  fumarento e  punha-se  à  espera  das  beliscadas  de  peixes  graudos,como sempre  afirmava.Entre nós,a  piazada,o  que  imperava  era  o  empurra-empurra,a  algazarra,a  bagunça...
      Numa  certa  tarde,já meio  enfastiado  da  pescaria,passei  a  chicotear a  linha  sobre as  águas até que  a  isca  se  desprendesse e o  anzol  ficassse limpinho.
      Seu  Bugai,que  observava  a  cena,indignado repreendeu-me:
      _Não  faça  isso!...Disse-me.O  rio  é  abençoado!...É  dêle  que  vem  a  água  que  nós  e  os  animais bebemos,que  a  sua  mãe  lava  a tua  roupa,a  louça,a  casa...É  nêle  que  mora  o  peixe  que  você  pesca,e  come...Um  rio  é  pra  ser  tratado com  respeito,como um  pai  que  nos  dá  o  sustento.E  você está  "surrando" as  suas  águas.Pare  já  com  isso!...
      Confesso  que  naquêle  momento  tudo  o  que  senti  foi muita  raiva  daquêle  velho a  quem  mentalmente xinguei  de rabujento  e  xereta.Hoje,relembrando o  episódio,percebo  a  consciência  ecológica  do  senhor  Bugay,à  quase cinquenta  anos  atrás.O  respeito  e amor  que  devotava à  natureza já  naquêle  tempo  em  que  ela  não  sofria ainda  tanta  agressão.
       Coitado  do  polonês!...Se  lhe  fôsse dada a  oportunidade  de  um  retorno  ao  mundo  dos  "encarnados" e  êle  procurasse  por  aquêle  pedaçinho  de  chão,tudo  o  que iria  vislumbrar seria  apenas  um  fiozinho  de  água arrastando-se  entre garrafas  pet,sacolas  plásticas,lixo  e contaminação.Não  encontraria piás  chicoteando  águas,até  porque hoje elas  quase nem  mais  existem  e a  piazada  de agora  prefere uma  pescaria  virtual.
       E então,quem  sabe,a  lembrança  de  antigas  tardes à  beira  de  um  rio  "vivo",fizessse-lhe brotar  uma  lágrima com  a  fôrça  de  arrancar-lhe  do  peito um  grito  de dor  e  revolta pelo  descaso e  falta  de  consciência de  um  povo que ignora  a  sua  propria  mãe..."NATUREZA"

joelgomesteixeira@hotmail.com
IRATIENSE THUTO TEIXEIRA
Enviado por IRATIENSE THUTO TEIXEIRA em 15/02/2010
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