Andante,Andante...
"Nenhum momento de felicidade terá sentido se não for compartilhado"
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REFLEXÕES NUMA TARDE DE INVERNO

Quando o inverno chegava tecendo as tardes com seus ventos cortantes, minha mãe , angustiada, costumava falar de um certo "aperto no peito que só ela sentia".
À época, desfrutava eu de minhas viçosas dezenas de anos e achava esquisita, engraçada aquela estranha sensação.
Particularmente , adorava o inverno !
Hoje , beirando os setenta , consigo entender e até revestir-me do pensamento daquela saudosa figura.
Quem é do Sul, sabe avaliar muito bem o que respresentam as famosas e ameaçadoras massas polares quando vão se aproximando.
A beleza do céu, a magia das noites, são indescritíveis. Porém, as temperaturas são castigantes.
Neste exato momento em que rabisco estas  mal traçadas, a paisagem que atinge meu campo de visão é do arvoredo despido de folhas, açoitado pelo vento gelado da tarde.
Os galhos contorçionam-se e até a juriti tem uma entonação diferenciada em seu gorjeio.
[ Parece triste ]
A xícara de café entre meus dedos, o vapor quentinho buscando o teto...Eis-me uma vez mais em tolas divagações:
Subitamente este silencio emparedado remete-me à semi escuridão do sótão de minha quase adolescência.
O assoalho de tábuas largas interligando duas janelas.
A primeira ,mais soturna, ficava proxima do último degrau da escada.
Abria-se para as pereiras - que podia-se alcançar num ligeiro esticar de braços - para os canteiros de escarolas , o olho d água e a casa do forno.Um paiol de aparencia meio assombrosa, bem ao fundo do quintal, em cuja entrada, destacava-se a fornalha. Duas janelas em madeira maçiça, perenemente fechadas e aquela porta entreaberta como que a espera de algum ser sombrio a romper-lhe as formas.
No entanto,foi por ali que num dia chuvoso viu-se a figura de um menino de chapéu de abas largas, retirando a vassoura que prendia a abertura da fornalha, inspecionando o pão que assava-se em seu interior e depois,sumindo entre o parreiral e o feno umidecido.Jurava-se,mais  tarde, tratar-se de um anjo, caroneiro do arco iris que pintara o céu naquele fim de janeiro.
Um mistério ! Um doce mistério.
A outra janela, abria-se para o vilarejo.Para a estrada de chão que deitava-se a pouca distância.
Tinha o viço da vida, espiava o movimento, as charretes, as carriolas, uns raros jeeps e os carroções de feno.
Era dali que podia-se espreitar as manhãs grávidas de sol. Céus de goiabada insinuavam que assim que cruzasse o topo das araucárias seria todo luz atravessando o potreiro pisado de azevéns.
A estradinha cheirando a café, pincelava ao longo do trecho as cercas de ripas e mulheres vassourando a frente das casas modestas.
Vez e outra, pela vizinhança, alguem em breve cantoria, rasgava no peito a cortina tosca da monotonia.
E pelo assoalho de tábuas largas que uniam as janelas, duas canastras repletas de bugigangas se encaravam.
As cartinhas dos amores de infância guardadas entre os encaixes do telhado, picumãs escrevendo histórias daquela casa desengonçada, daquela gente que recheava os aposentos, dos muitos sonhos acalentados, das esperanças e os momentos em que a vida costumava trabalhar suas privações.
E agora esta tarde, tão distante no tempo. Eu aqui a meditar diante de uma xícara de café
numa tarde gelada, de ventos cortantes, de pouca freguesia em meu estabelecimento, de  pouca gente a cerzir as ruas.
No rádio uma canção: "Reflexion of my life".Até parece coisa combinada pra minar este meu velho e rodado coração.
Só pode !

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IRATIENSE THUTO TEIXEIRA
Enviado por IRATIENSE THUTO TEIXEIRA em 09/07/2019
Alterado em 09/07/2019
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